As mulheres “queimaram sutiãs” há mais de 40 anos e, mesmo assim, até hoje há grandes diferenças entre elas e os homens no mercado de trabalho. A principal delas é a jornada dupla – trabalhar fora de casa e ainda cuidar dos afazeres domésticos. Essa rotina, exaustiva para a maioria das mulheres, foi comprovada por meio de uma pesquisa realizada pela organização feminista SOS Corpo e os institutos Data Popular e Patrícia Galvão.
No estudo, 75% da população feminina consultada dizem enfrentar uma rotina exaustiva, enquanto 18% não sofrem desse problema e 7% não sabem afirmar. De um total de 800 mulheres pesquisadas, 98% disseram que, além de trabalhar, precisam se dedicar à casa. Dessas, 63% recebem ajuda, 10% recebem ajuda paga e 27% estão sozinhas nos afazeres domésticos. A participação dos homens nessas tarefas é baixa, 71% das mulheres não contam com nenhum auxílio masculino.
De acordo com Verônica Ferreira, mestre em políticas públicas e pesquisadora da SOS Corpo, os principais objetivos da pesquisa foram avaliar como as mulheres brasileiras enfrentam a dupla jornada de trabalho e subsidiar políticas públicas que ofereçam apoio à mulher.
A pesquisa ouviu, entre março e abril deste ano, mulheres que trabalham fora, com idade entre 18 e 64 anos, nos estados do Pará, do Ceará, de Pernambuco, da Bahia, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Paraná, do Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal. Uma pesquisa qualitativa também envolveu 80 mulheres de São Paulo e do Recife, no período de junho a julho deste ano.
Entre os resultados do levantamento, o que mais chamou a atenção de Verônica foi a preocupação das mulheres com a falta de tempo para se cuidar. Do total de 68% de entrevistadas que reclamaram de falta de tempo, 58% queixaram-se de não conseguir dedicar momentos a elas mesmas. “Há 20 anos, talvez isso não fosse dito, porque esse tempo sequer era visto como necessário. Era tão natural que a mulher existe para cuidar dos outros, que 58% delas dizendo isso, para nós, é um dado relevante”, disse.
“Como boa parte das profissões da mulher da classe média é atendimento ao público, ela precisa também investir mais em si mesma. Ir mais ao salão, comprar mais roupa, fazer drenagem linfática e tudo mais”, acrescentou um dos coordenadores da pesquisa, Renato Meirelles, do Data Popular.
O restante das entrevistadas reclamou de não ter executam tempo para ficar com família e filhos (46%), para se divertir (42%) e para dormir e descansar (32%). Entre todas as mulheres ouvidas, 60% disseram dormir menos do que oito horas por noite. Apesar da rotina corrida e da falta de tempo, 91% das mulheres consideram o trabalho fundamental para suas vidas. Porém, segundo Meirelles, o fato de a profissional precisar exercer uma dupla jornada gera uma disputa injusta no mercado de trabalho.
“A pesquisa mostrou claramente que, quanto maior a escolaridade, maior a desigualdade de salários entre homem e mulher. Isso ocorre porque as mulheres não têm condições de crescer mais dentro das empresas que o homem, a não ser que ela abra mão da maternidade, das outras atividades que ela queira desenvolver”, disse Meirelles. Nesse contexto de competição no trabalho, 63% das entrevistadas concordaram com a ideia de que mulheres sempre ganham menos que os homens, enquanto 27% discordaram da afirmação. 10% das consultadas não concordaram, nem discordaram.
Outro dado apontado pela pesquisa, feito com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi a estimativa do valor do trabalho feminino dentro de suas casas. Se ele fosse pago, somaria R$ 67,5 bilhões por mês em todo o país.
“Esse é um indicador importante de quão gratuito é o trabalho das mulheres. O importante não é que esse dinheiro seja pago para as mulheres por meio de bolsas ou de ajuda, mas que ele seja socializado, transforme-se em políticas públicas, como ampliação do acesso a creches, pré-escolas em tempo integral”, avalia a professora doutora em sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bila Sorj.
A pesquisa apontou que as principais melhorias que poderiam ser viabilizadas pelo governo são creche (16% das mulheres consultadas) e transporte (16%). Em seguida ficou emprego (14%), ensino para elas (10%), salário (8%) e escola para os filhos (7%).
Uma constatação positiva do estudo foi que as novas gerações poderão ser responsáveis por uma mudança desse cenário. Enquanto 27% dos homens entre 35 e 64 anos lavam louça, por exemplo, 40% dos que têm idade entre 18 e 34 realizam essa tarefa.“A mulher está insatisfeita com o homem e vai cobrar cada vez mais uma participação mais efetiva”, diz Meirelles.
Verônica concorda com a possibilidade de uma renovação da postura entre os jovens. “Será que estamos diante de uma mudança da identidade masculina? Um afrouxamento do medo do homem em assumir as tarefas domésticas? Porque, em geral, as dificuldades que o homem tem em lavar, passar, limpar o banheiro é um pouco porque, ao fazer essas atividades, é como se deixasse a identidade masculina de lado”, avaliou.
Muito se fala que as mulheres trabalham em média 7 horas semanais a mais que os homens. Mas pouco se fala que os empregos mais insalubres são ocupados por homens. Os trabalhos mais desgastantes e que afastam mais pessoas por doenças são ocupados por homens. Os empregos com maior periculosidade são ocupado por homens. Homens são duas vezes mais vitimas de acidente de trabalho, muito por conta dos empregos mais perigosos que ocupam. Uma das áreas que mais causam acidentes de trabalho em nosso país é justamente a construção civil, onde a maioria das vagas é ocupados por homens.
“Será que estamos diante de uma mudança da identidade masculina? Um afrouxamento do medo do homem em assumir as tarefas domésticas? Porque, em geral, as dificuldades que o homem tem em lavar, passar, limpar o banheiro é um pouco porque, ao fazer essas atividades, é como se deixasse a identidade masculina de lado”, avaliou.
Bem, pode ser que não seja só medo de perder a virilidade.